O mago corporativo: como a idealização da performance adoece
Em muitos contextos profissionais, o ideal de sucesso vem com uma exigência implícita: estar sempre à frente, produzir mais, render sem falhas. O trabalhador ideal se apresenta como alguém que sabe tudo, antecipa, executa, entrega — o tempo todo.
Essa imagem tem uma estrutura simbólica. Na psicologia analítica, ela pode ser lida como uma inflação do arquétipo do Mago — aquele que domina o saber e transforma pela consciência. Jung (2013) descreve o Mago como uma potência psíquica legítima, mas perigosa quando o ego se identifica demais com ele. Quando isso acontece, a função simbólica vira exigência. O saber vira controle.
Surge então uma Persona rígida: disciplinada, confiável, produtiva. O sentir é descartado como ruído. O corpo vira obstáculo. Pausas se tornam ameaças. E o sujeito tenta manter essa Persona ativa, mesmo quando o organismo não consente — muitas vezes por meio da medicalização, usada não para tratar, mas para garantir desempenho.
Deleuze e Guattari (1996) descrevem essa lógica como captura do desejo: o corpo é reorganizado para servir à máquina produtiva. Tornamo-nos “corpos sem órgãos”, moldados para funcionar, não para sentir. Até o desejo de aprender é transformado em ferramenta de adaptação.
Nesse cenário, sintomas como exaustão, procrastinação ou ansiedade são vistos como falhas. Mas podem ser linguagem. Jung chamaria isso de retorno da Sombra: tudo o que é negado retorna. Deleuze veria como excesso que a máquina não assimila.
A questão, então, não é se devemos buscar excelência — mas a que custo. O problema não está no saber, mas em torná-lo imposição. Não está na disciplina, mas na recusa do descanso.
Talvez o corpo que colapsa não esteja falhando. Talvez esteja apenas tentando voltar a existir.
Referências (ABNT)
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-Édipo. São Paulo: Editora 34, 1996.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2013.
HILLMAN, J. O mito da análise. São Paulo: Cultrix, 1981.
