Por que o concurseiro jurídico não encontra satisfação (à luz da psicologia)

Na Gestalt-terapia, Jorge Ponciano Ribeiro descreve o Ciclo do Contato como o processo natural que nos mantém vivos e conectados com o mundo. É o movimento entre o self e o meio ambiente, em que sentimos uma necessidade, tomamos consciência dela, nos mobilizamos, agimos, entramos em contato e, por fim, nos retiramos satisfeitos. Quando esse ciclo flui bem, há crescimento e equilíbrio. Quando se interrompe, surge o sofrimento.

Agora pense no concurseiro jurídico. Ele sente uma necessidade legítima que é a de alcançar a estabilidade, o reconhecimento, o pertencimento. Porém, essa necessidade é logo engolida por diversas crenças rígidas que são difundidas, tais como:

  • É preciso sangrar até passar.
  • Preciso passar nesse concurso para ter a minha vida e ser feliz.
  • É necessário abdicar da vida pessoal, dos amigos, cônjuge e familiares para estudar mais.
  • Tenho que fazer, no mínimo, 8 horas líquidas de estudo por dia.

Com isso, o ciclo natural do contato se quebra. Em vez de sentir e se ajustar à vida, esse candidato entra em uma espécie de modo automático, tentando controlar… o incontrolável.

O concurso público se torna, cada vez mais, promessa de salvação. Muitos candidatos vêm de contextos familiares que exaltam o serviço público, ou de experiências frustradas na advocacia. O estudo vira uma missão de sobrevivência, uma tentativa de provar valor a si ou para outros a seu redor, seja porque se sente rejeitado ou até cobrado demais por seus familiares.

É aí que a Gestalt – Terapia de Fritz Perls se concilia com as noções da Psicologia Analítica de Carl Jung. Nasce a persona onipotente, ou seja, o personagem que não pode falhar, que não pode parar, que não pode admitir fragilidade. Por trás dela, há medo, cansaço e, muitas vezes, adoecimento, sem falar ainda da inveja e da sensação constante de culpa e de não merecimento.

A rotina vai se tornando cada vez mais extenuante a cada reprovação. 5, 6, 7, 8 horas diárias de estudo, cada vez menos vínculos afetivos, culpa quando não se estuda ou culpa até mesmo quando se estuda porque acha que não foi o suficiente.

O corpo fala muito durante esse processo: insônia, ansiedade, automedicação, mas essa voz gritante é silenciada pela mordaça dogmática concurseira. É inadequado simplesmente ser humano.

Nesse contexto, Carl Rogers entende que o self se torna esvaziado, pois o candidato segue repetindo padrões que são seus, e que não levam à satisfação. O ciclo, que deveria terminar em realização, termina em vazio, em falta de lógica e de perspectiva.

Veja: O que o concurseiro chama de “ter disciplina” é, na prática, um bloqueio de contato. Ele deixa de sentir para conseguir continuar. E quando finalmente alcança a aprovação, descobre que o prazer não veio junto, porque o prazer estava no contato, não na meta. Se pensarmos sob a ótica da psicologia da felicidade (veja o filme “Poder Além da Vida), o prazer estava no caminho, e não na linha de chegada. Acha que estou enganado? Pesquise casos de juízes, promotores ou desembargadores que praticaram suicídio e reflita: o ato de autoextermínio foi condizente com a imagens que eles passavam externamente no exercício do cargo?

Em termos de Gestalt – Terapia, o candidato se desajusta criativamente, ou seja, ele tenta insistentemente se adaptar, mas sem se permitir ser quem ele é. A verdadeira saúde não está em passar, mas em conseguir estar presente no processo, em sentir prazer com cada avanço, do seu jeito, da sua forma e no seu ritmo.

Enquanto o estudo for visto como tortura, o cérebro continuará associando-o à dor, sabotando o próprio desempenho.

Enquanto a aprovação for a única forma de se sentir digno, o contato com a própria humanidade continuará interrompido.

O ciclo do contato ensina uma coisa simples e difícil: não há satisfação sem presença. O desafio do concurseiro jurídico não é apenas passar. O seu desafio é voltar a se encontrar no caminho.

Comente abaixo o que acha a respeito desse assunto? Um abraço!