Você já prestou atenção à sua chama azul?

A chama reverbera de forma branda e azulada quando o combustível que a mantém está no fim. Talvez, de tão azulada, nesses instantes ela se confunda com o próprio céu. Um céu que, às vezes, nos oferece serenidade, mas que em outras ocasiões parece estancar as emoções, deixando-as suspensas no ar, tal qual como o calor que não queima.

Ela surge de maneira quase imperceptível e pode trazer um breve acalento, mas em seguida se esvai e se espalha para diversos lados. Nesse movimento, emergem em nós sensações de imperfeição, de incompletude, como se as emoções fossem brandas demais para serem plenamente vistas. Só os olhares mais atentos talvez fossem capaz de constatá-las.

Carl Rogers (1961) lembrava que é justamente na aceitação incondicional das nossas emoções, sem julgamento, que nos aproximamos daquilo que somos em nossa essência. Esse acolhimento não significa aprisionar os afetos em categorias fixas, mas, ao contrário, permitir que eles fluam, que se transformem, que revelem nossa humanidade no processo de viver.

Na perspectiva da Gestalt-terapia, Perls, Hefferline e Goodman (1951) descrevem esse mesmo fenômeno como contato, que é uma espécie de dança viva entre o organismo e seu ambiente. Quando interrompemos esse fluxo, as emoções se tornam rígidas, estagnadas, e sentimos a dor da não-completude. Mas quando nos abrimos à experiência, mesmo aquela mais sutil, nos permitimos estar verdadeiramente presentes, favorecendo a possibilidade de integração e de alcance de flexibilidade cognitiva na tomada de decisões.

Percebo, assim, que podemos simplesmente acolher o ir e vir das emoções, sem necessidade de rotulá-las ou de segurá-las com força. Elas podem se apresentar como chamas brandas, quase invisíveis, mas é no acolhimento desse fluxo que nos tornamos mais inteiros. Como diria Merleau-Ponty (1945), “é na experiência vivida, no corpo que sente e no olhar que se abre ao mundo, que encontramos a plenitude do ser”.

E vou mais além. As emoções vêm e vão. Muitas vezes acreditamos que somos incapazes de percebê-las. Há quem se defina incapaz de amar, ou de perdoar, ou até mesmo de aceitar mudanças na forma de agir, ainda que elas claramente estejam lhe causando intenso sofrimento. Está tudo bem, e tomar consciência é algo que exige tempo. Cada um tem o seu e é preciso respeitar isso.

Assim como quase não enxergamos uma chama azul, frágil e sutil, aceitá-la com presença, sem medo e sem pressa, pode ser a chave para que você encontre a serenidade que nasce do simples ato de ser.

Referências

Rogers, C. (1961). Tornar-se Pessoa.

Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1951). Gestalt – Terapia.

Merleau-Ponty, M. (1945). Fenomenologia da percepção.