Quem somos? E o que os algorítimos dizem que somos?

Antes mesmo de nos encontrarmos com alguém, já fomos filtrados por algoritmos, medidos por métricas, organizados em listas de relevância. Já se deu conta de que a nossa imagem aparece antes da nossa presença? Já percebeu que a nossa voz chega antes do nosso corpo? Tudo o que nos antecede, na atualidade, é dado.

Na Gestalt-Terapia, Perls, Hefferline e Goodman (1997) afirmam que a experiência acontece na fronteira de contato entre o self e o ambiente, onde se produz a vida vivida. É nesse ponto que o encontro com o mundo acontece. Hoje, é possível perceber que essa fronteira está cada vez mais mediada por telas. O contato virou visualização, o toque virou curtida, o diálogo virou notificação. Percebemos esse movimento, inclusive, desde a mais tenra idade.

A gestora Mônica Alvim (2021) lembra que a produção de sentidos e subjetividades é fenômeno do campo, ou seja, tudo o que nos envolve e nos atravessa. Isso significa que o digital também é campo, e como tal, participa da construção do que somos. Nossas escolhas, nossas opiniões e até nossos afetos são constantemente atravessados por esse ambiente invisível que nos diz o que ver, o que consumir, o que pensar. É como se estivéssemos sendo constantemente induzidos a certos caminhos, a certas “caixinhas” de informações.

A cada pesquisa na internet, deixamos rastros que alimentam uma imagem sobre nós. O curioso é que passamos a acreditar nessa imagem. Começamos a confundir a representação com o real, o perfil com a pessoa, a aparência com o sentido. O self, que na Gestalt é um processo vivo e fluido, corre o risco de se cristalizar naquilo que é mais estático: um resultado de busca.

Michelle Billies (2005) aponta que a identidade é contextual e processual, sempre em movimento. Somos quem somos apenas no encontro com o outro. Mas quando o encontro é mediado por algoritmos que selecionam o que é mais “relevante”, o campo relacional se empobrece. Ficamos presos em bolhas de afinidade, repetindo ideias que confirmam o que já acreditamos. Deixamos de nos surpreender com a diferença.

Robine (2005) sugere que a Gestalt-Terapia precisa desenvolver um paradigma pós-moderno, capaz de lidar com os modos de ser criados pela cultura tecnológica e pela hipervisibilidade das redes. A exposição constante e a velocidade das informações transformam o contato em consumo. A experiência se torna descartável. E, nesse fluxo, o que parece mais duradouro é o ódio, a polarização, o impulso de excluir.

Martin Buber (2001) dizia que o humano se realiza na relação Eu-Tu, no encontro que reconhece o outro como presença. Mas na cultura digital, o outro se tornou algo diferente: um Eu-Isso. Estamos falando não mais de pessoas, mas de perfis, de números, de fotos. A relação deixa de ser encontro e vira observação. Olhamos uns aos outros, mas raramente nos vemos. Quantas pessoas se olham em um mesmo ambiente ao invés de ficarem focados em suas telas de celular?

O que somos, então, quando as ferramentas de busca na internet respondem antes que possamos refletir?

O que passamos a ser quando a resposta vem antes da pergunta?

O que ocorre dentro de nós quando o campo digital se antecipa ao desejo humano de buscar sentido?

A Gestalt convida à awareness, e esse termo se refere à tomada de consciência no presente. Talvez o primeiro passo para que isso ocorra seja perceber o quanto estamos ausentes, mesmo quando estamos conectados.

A vida online cria a ilusão de presença contínua. Mas presença não é estar disponível. É estar inteiro. É poder sentir o que se passa agora, com o corpo, com o olhar, com a escuta. Essa presença se mede no silêncio, na pausa, no encontro real, aquele que não precisa ser postado para existir. Na busca do real, de nada serve o engajamento.

Enfim, penso que o humano não cabe no algoritmo. O self não é indexável. Nenhum resultado de busca contém a complexidade de uma vida. Por isso, talvez o maior gesto de resistência hoje seja reaparecer como pessoa em meio aos rastros digitais. Lembrar que somos mais do que o que os algorítimos dizem que somos.

E se, antes de pesquisar sobre nós, tentássemos nos encontrar de verdade?

Comente abaixo. O que esse texto vez você pensar? Quais foram as suas reflexões? Quero saber o seu ponto de vista! Um abraço.

Roberto


Referências
Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1997). Gestalt-terapia. Summus.
Alvim, M. (2021). Elementos para pensar uma Gestalt-Terapia crítica e política. In Por uma Gestalt-Terapia crítica e política: relações raciais, gênero e diversidade sexual. ABG.
Billies, M. (2005). Redes de interrupções habituais e a identidade como processo. In Por uma Gestalt-Terapia crítica e política.
Robine, J-M. (2005). A Gestalt-Terapia terá a ousadia de desenvolver seu paradigma pós-moderno? Estudos e Pesquisas em Psicologia, 102–126.
Buber, M. (2001). Eu e Tu. Centauro.

O que fazer quando o outro segue em frente?

Há dores que não gritam. Elas simplesmente pesam. Concorda comigo?

O fim de um relacionamento, quando o outro já parece ter seguido adiante, toca uma ferida profunda: a de perceber que o amor, por mais sincero que tenha sido, não garante permanência. E talvez o mais difícil não seja o fim em si, mas o fato de que o outro parece bem enquanto nós ainda estamos tentando respirar.

Sob a luz do humanismo e do existencialismo, essa experiência não é uma falha pessoal. É um retrato do que significa existir em liberdade. O ser humano é, antes de tudo, um projeto em constante movimento. Somos seres de desejo, e o desejo não pede licença para mudar de direção. Quando o ex segue com outra pessoa, somos convidados, ainda que à força, a encarar a finitude daquilo que acreditávamos eterno.

Na Terapia Centrada na Pessoa, aprendemos que cada pessoa é um processo único, movido por uma tendência à atualização, uma busca por crescimento e sentido. O problema é que, quando amamos, muitas vezes confundimos o crescimento do outro com a nossa necessidade de continuidade. Queremos que ele permaneça onde o deixamos. Mas o amor, na perspectiva de Carl Rogers, é reconhecimento do direito do outro de ser quem é, mesmo quando isso nos custa. Ou seja, não podemos falar de posse. Não faria sentido “posse” e “amor” andando de mãos dadas.

A dor que fica é legítima. Ela sinaliza que algo em nós também precisa se reorganizar, pois não é apenas o outro que partiu, mas também uma parte da nossa identidade que se desfez. O desafio é o de encontrar na dor um convite para sermos autênticos. É preciso olhar para si, reconhecer as próprias carências, e descobrir o que de fato permanece quando o outro se vai.

Por isso, eu preciso te dizer que viver o luto é indispensável nesse processo. Não há superação verdadeira sem atravessamento. O luto é o tempo em que o corpo, a mente e o coração aprendem, lentamente, a aceitar o que a razão já sabe, mas ainda não sente. É o intervalo necessário para que o passado encontre um lugar simbólico dentro de nós. Ignorá-lo, racionalizá-lo ou apressá-lo é como tentar respirar sem ar. A cura não vem da negação, mas da permissão: permitir-se sentir, entristecer, lembrar, enfraquecer e, pouco a pouco, reencontrar forças.

É preciso estar atento ao que você sente, mesmo quando parece ilógico. Há dores que não se explicam com argumentos. A tristeza, a saudade, o ciúme, o vazio… tudo isso é parte da linguagem emocional que pede uma escuta. O ser humano não é feito apenas de pensamento. Ele é feito também de carne, de história e de afetos. Tentar compreender o fim de um amor apenas com a razão é amputar a experiência pela metade.

A vida não pode ser vivida com o intuito de se evitar as perdas, pois elas ocorrerão, inevitavelmente. Afinal, a morte, por exemplo, é um evento de perda inevitável, por exemplo. Todos nós passaremos por ela um dia. Então precisamos nos abrir à experiência, mesmo ela sendo dolorosa. Dar um sentido à vida é escolher continuar existindo depois que a perda acontece.

Talvez o amor não tenha acabado. Talvez ele apenas mudou de forma. Assim, temos um chamado silencioso para que voltemos a nos escolher.

Um dia, o barulho da saudade se acalmar, e nesse momento, talvez você perceba algo simples e profundo: que a vida não levou o amor embora, mas sim, que ela apenas o devolveu para onde ele sempre pertenceu: De volta a você.

Ame-se sempre em primeiro lugar.

Por que o concurseiro jurídico não encontra satisfação (à luz da psicologia)

Na Gestalt-terapia, Jorge Ponciano Ribeiro descreve o Ciclo do Contato como o processo natural que nos mantém vivos e conectados com o mundo. É o movimento entre o self e o meio ambiente, em que sentimos uma necessidade, tomamos consciência dela, nos mobilizamos, agimos, entramos em contato e, por fim, nos retiramos satisfeitos. Quando esse ciclo flui bem, há crescimento e equilíbrio. Quando se interrompe, surge o sofrimento.

Agora pense no concurseiro jurídico. Ele sente uma necessidade legítima que é a de alcançar a estabilidade, o reconhecimento, o pertencimento. Porém, essa necessidade é logo engolida por diversas crenças rígidas que são difundidas, tais como:

  • É preciso sangrar até passar.
  • Preciso passar nesse concurso para ter a minha vida e ser feliz.
  • É necessário abdicar da vida pessoal, dos amigos, cônjuge e familiares para estudar mais.
  • Tenho que fazer, no mínimo, 8 horas líquidas de estudo por dia.

Com isso, o ciclo natural do contato se quebra. Em vez de sentir e se ajustar à vida, esse candidato entra em uma espécie de modo automático, tentando controlar… o incontrolável.

O concurso público se torna, cada vez mais, promessa de salvação. Muitos candidatos vêm de contextos familiares que exaltam o serviço público, ou de experiências frustradas na advocacia. O estudo vira uma missão de sobrevivência, uma tentativa de provar valor a si ou para outros a seu redor, seja porque se sente rejeitado ou até cobrado demais por seus familiares.

É aí que a Gestalt – Terapia de Fritz Perls se concilia com as noções da Psicologia Analítica de Carl Jung. Nasce a persona onipotente, ou seja, o personagem que não pode falhar, que não pode parar, que não pode admitir fragilidade. Por trás dela, há medo, cansaço e, muitas vezes, adoecimento, sem falar ainda da inveja e da sensação constante de culpa e de não merecimento.

A rotina vai se tornando cada vez mais extenuante a cada reprovação. 5, 6, 7, 8 horas diárias de estudo, cada vez menos vínculos afetivos, culpa quando não se estuda ou culpa até mesmo quando se estuda porque acha que não foi o suficiente.

O corpo fala muito durante esse processo: insônia, ansiedade, automedicação, mas essa voz gritante é silenciada pela mordaça dogmática concurseira. É inadequado simplesmente ser humano.

Nesse contexto, Carl Rogers entende que o self se torna esvaziado, pois o candidato segue repetindo padrões que são seus, e que não levam à satisfação. O ciclo, que deveria terminar em realização, termina em vazio, em falta de lógica e de perspectiva.

Veja: O que o concurseiro chama de “ter disciplina” é, na prática, um bloqueio de contato. Ele deixa de sentir para conseguir continuar. E quando finalmente alcança a aprovação, descobre que o prazer não veio junto, porque o prazer estava no contato, não na meta. Se pensarmos sob a ótica da psicologia da felicidade (veja o filme “Poder Além da Vida), o prazer estava no caminho, e não na linha de chegada. Acha que estou enganado? Pesquise casos de juízes, promotores ou desembargadores que praticaram suicídio e reflita: o ato de autoextermínio foi condizente com a imagens que eles passavam externamente no exercício do cargo?

Em termos de Gestalt – Terapia, o candidato se desajusta criativamente, ou seja, ele tenta insistentemente se adaptar, mas sem se permitir ser quem ele é. A verdadeira saúde não está em passar, mas em conseguir estar presente no processo, em sentir prazer com cada avanço, do seu jeito, da sua forma e no seu ritmo.

Enquanto o estudo for visto como tortura, o cérebro continuará associando-o à dor, sabotando o próprio desempenho.

Enquanto a aprovação for a única forma de se sentir digno, o contato com a própria humanidade continuará interrompido.

O ciclo do contato ensina uma coisa simples e difícil: não há satisfação sem presença. O desafio do concurseiro jurídico não é apenas passar. O seu desafio é voltar a se encontrar no caminho.

Comente abaixo o que acha a respeito desse assunto? Um abraço!

O mago corporativo: como a idealização da performance adoece
Ilustração simbólica que acompanha o artigo sobre o arquétipo do Mago e o esgotamento do corpo diante da busca por desempenho. Representa o cansaço do saber e o conflito entre consciência e limite físico. Ilustração artesanal feita com lápis de cor e giz pastel mostra um mago idoso e cansado, de manto azul e chapéu pontudo, segurando uma tocha acesa. À sua frente, há um relógio levemente torto, folhas de papel e um caderno alaranjado sobre a mesa. A obra tem textura de papel e assinatura discreta “C. Morello” no canto inferior direito.

Em muitos contextos profissionais, o ideal de sucesso vem com uma exigência implícita: estar sempre à frente, produzir mais, render sem falhas. O trabalhador ideal se apresenta como alguém que sabe tudo, antecipa, executa, entrega — o tempo todo.
Essa imagem tem uma estrutura simbólica. Na psicologia analítica, ela pode ser lida como uma inflação do arquétipo do Mago — aquele que domina o saber e transforma pela consciência. Jung (2013) descreve o Mago como uma potência psíquica legítima, mas perigosa quando o ego se identifica demais com ele. Quando isso acontece, a função simbólica vira exigência. O saber vira controle.
Surge então uma Persona rígida: disciplinada, confiável, produtiva. O sentir é descartado como ruído. O corpo vira obstáculo. Pausas se tornam ameaças. E o sujeito tenta manter essa Persona ativa, mesmo quando o organismo não consente — muitas vezes por meio da medicalização, usada não para tratar, mas para garantir desempenho.
Deleuze e Guattari (1996) descrevem essa lógica como captura do desejo: o corpo é reorganizado para servir à máquina produtiva. Tornamo-nos “corpos sem órgãos”, moldados para funcionar, não para sentir. Até o desejo de aprender é transformado em ferramenta de adaptação.
Nesse cenário, sintomas como exaustão, procrastinação ou ansiedade são vistos como falhas. Mas podem ser linguagem. Jung chamaria isso de retorno da Sombra: tudo o que é negado retorna. Deleuze veria como excesso que a máquina não assimila.
A questão, então, não é se devemos buscar excelência — mas a que custo. O problema não está no saber, mas em torná-lo imposição. Não está na disciplina, mas na recusa do descanso.
Talvez o corpo que colapsa não esteja falhando. Talvez esteja apenas tentando voltar a existir.

Referências (ABNT)
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-Édipo. São Paulo: Editora 34, 1996.
JUNG, C.G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2013.
HILLMAN, J. O mito da análise. São Paulo: Cultrix, 1981.

Você já prestou atenção à sua chama azul?

A chama reverbera de forma branda e azulada quando o combustível que a mantém está no fim. Talvez, de tão azulada, nesses instantes ela se confunda com o próprio céu. Um céu que, às vezes, nos oferece serenidade, mas que em outras ocasiões parece estancar as emoções, deixando-as suspensas no ar, tal qual como o calor que não queima.

Ela surge de maneira quase imperceptível e pode trazer um breve acalento, mas em seguida se esvai e se espalha para diversos lados. Nesse movimento, emergem em nós sensações de imperfeição, de incompletude, como se as emoções fossem brandas demais para serem plenamente vistas. Só os olhares mais atentos talvez fossem capaz de constatá-las.

Carl Rogers (1961) lembrava que é justamente na aceitação incondicional das nossas emoções, sem julgamento, que nos aproximamos daquilo que somos em nossa essência. Esse acolhimento não significa aprisionar os afetos em categorias fixas, mas, ao contrário, permitir que eles fluam, que se transformem, que revelem nossa humanidade no processo de viver.

Na perspectiva da Gestalt-terapia, Perls, Hefferline e Goodman (1951) descrevem esse mesmo fenômeno como contato, que é uma espécie de dança viva entre o organismo e seu ambiente. Quando interrompemos esse fluxo, as emoções se tornam rígidas, estagnadas, e sentimos a dor da não-completude. Mas quando nos abrimos à experiência, mesmo aquela mais sutil, nos permitimos estar verdadeiramente presentes, favorecendo a possibilidade de integração e de alcance de flexibilidade cognitiva na tomada de decisões.

Percebo, assim, que podemos simplesmente acolher o ir e vir das emoções, sem necessidade de rotulá-las ou de segurá-las com força. Elas podem se apresentar como chamas brandas, quase invisíveis, mas é no acolhimento desse fluxo que nos tornamos mais inteiros. Como diria Merleau-Ponty (1945), “é na experiência vivida, no corpo que sente e no olhar que se abre ao mundo, que encontramos a plenitude do ser”.

E vou mais além. As emoções vêm e vão. Muitas vezes acreditamos que somos incapazes de percebê-las. Há quem se defina incapaz de amar, ou de perdoar, ou até mesmo de aceitar mudanças na forma de agir, ainda que elas claramente estejam lhe causando intenso sofrimento. Está tudo bem, e tomar consciência é algo que exige tempo. Cada um tem o seu e é preciso respeitar isso.

Assim como quase não enxergamos uma chama azul, frágil e sutil, aceitá-la com presença, sem medo e sem pressa, pode ser a chave para que você encontre a serenidade que nasce do simples ato de ser.

Referências

Rogers, C. (1961). Tornar-se Pessoa.

Perls, F., Hefferline, R., & Goodman, P. (1951). Gestalt – Terapia.

Merleau-Ponty, M. (1945). Fenomenologia da percepção.